Algo errado, ela não o procuraria
naquele dia para saber de um dia de volta ao normal dele, tão pouco buscaria
lhe trazer notícias de um mundo que já não o pertence... Será que foram essas
notícias que a fizera lembrar-se dele? Será que fora alguma forma especial de
vazio? Eu prefiro pensar que tenham sido todas as formas, um conjunto delas,
repetidas e novas que sempre lhe atraem a um desconhecido, ou um conhecido que
ainda lhe atraía o olhar sob formas desconhecidas.
Não havia algo errado então. Ela o
procurava não por um erro, talvez por uma série de acasos que a movia e que às
vezes nos leva a crer que é o destino... Ou então o próprio destino por ela
tracejado nos seus rabiscos de cadernos, corações e flores no alto do
cabeçalho. Um destino tracejado que ela própria criara, e que também podia
afastá-lo... Afastar o corpo, não é o mesmo que afastar o destino de si. Pois
mesmo um poeta, quando deixa de escrever suas poesias, ainda sim será chamado
de poeta, não apenas pelo que escreveu, mas pelo que é, pela sua atitude, pelo
seu olhar, e enquanto mais ela tentava se afastar disso, de uma poesia, por
exemplo, mas se tornava poeta.
O desenhou não como ele era, mas
como poderia ser. Ela o imaginou, talvez, soluçando em seus braços por um amor
interrompido, o imaginou rindo sem motivos, rindo por rir, e que no final, o
simples seria simples, o complicado, simples, o impossível simples, pois o
simples poderia estar presente como qualidade, em qualquer um dos objetos, e
seria simples para ele, por que tudo para ela era complicado, um real devaneio
de sua cabeça, tinha forças para tudo, até para a simplicidade que o ecoara, só
não aceitaria, que quando ela fosse simples, ele não visse simplicidade, e que
esse ver dele complicado, estivesse nas características comuns das coisas, só
que não com irregularidade.
Agora, ela lendo esse curto
escrito, percebe que não é nada disso, que é mais simples do que eu, por
exemplo, me coloquei a escrever, ela o procurou por procurar, para lhes saber
de um dia que ela sabia que chegaria a ele, um dia normal, porém, diferente,
uma volta algo ao normal, mas que duvido que para ele seja normal. Talvez,
naquela hora do dia normal que ela dormia, ele estivera um tanto triste, uma
tristeza que se misturava com a gratidão por dias anteriores, esse pé a pé
entre a tristeza e a gratidão.
Mas ainda sim, havia o destino por
ela tracejado, como quem diz “Amém” após uma oração, e ele sem entender, o “Amém”
sente-se um vazio também, um “Amém” pode representar uma série de coisas, e na
cabeça, era tão simples poder ser qualquer coisa, que afastara de sua mente a ideia
de um “Amém” ser o mesmo que “desprezo”
Um destino tracejado com dedinhos
infantis, um amém que poderia ser um “Eu te amo”, uma fotografia, uma pintura,
uma poesia, uma música, e tudo o que pudermos expressar a esse destino
desconhecido que nós tracejamos, ou ainda uma série de acasos que a levaria
ao encontro, por um acaso, de seu destino tracejado.
“Por um acaso lembrei-me de você estes
dias, especialmente lembrei de você hoje, de um modo distinto, tive
vontade de soltar uma lágrima” essa lágrima que é uma representação comum a
morte e a tristeza, mas que para ele era gratidão não escondida por trás da
lágrima comum a morte e a tristeza.
“Lembrei-me de você estes dias...”
Também poderia ser um destino por ele tracejado, quando desde a infância se
colocara a tirar fotografias dos acasos que lhe cruzavam a vida. “Não poderia
ser um acaso eu olhar justo esse tempo e espaço e registrá-lo?” é forte no
pensamento brasileiro dizer: “Não cai uma folha sem a permissão dele...” Mas o
lado forte às vezes é tão opressor, que ainda olhamos para um dito começo e nos
lembramos... “um livre arbítrio” e tudo poderia ser melhor ou pior aos olhos Dele,
e tudo poderia ser melhor ou pior aos nossos olhos... E excluindo a parte que
cabe ao nós e ficarmos somente com o eu: “tudo pode ser melhor ou pior aos meus
olhos...”
Então, quando ainda criança
fotografara, por exemplo, a irmã pequenina matando a fome nos mamilos maternos; uma outra vez, fotografou-se nu, ainda com o pintinho pequenino e com fimose
exposta, e ambas as fotografias lhe surgiam com um acaso. Porém hoje, quando conseguiu sua primeira
autorização para fotografar uma transexual, ele havia fotografado o destino... E
os acasos vieram a seu encontro.
Mas se o acaso viera... De onde? Havia
um lugar? Onde poderia encontrar uma fábrica de fabricar acaso? Se ambos
estivessem juntos teriam rido, só que eles não estavam mais juntos, e não
tinham as repostas que eu observara em comum neles.
“Seja por acaso ou por destino, lembrei-me
de ti esses dias”... Pode ser o mesmo que “não morre cedo”? Será estúpida essa
leitura? Certa vez me disseram isso, e eu não dei importância; outra, quando me
disse isso, estranhei! Não gostei que estivesse pensando, mas sim que
estivéssemos nós dois pensando em mim e falando sem filtros o que havia para
ser pensado, pelo menos naquela hora era o que eu desejava, afinal, não era um
alguém que eu não dava importância.
Ele não disse “seja por acaso ou
por destino, lembrei-me de ti esses dias”, era isso que desejava ter dito, mas
não disse, trocou pelas palavras “não morre cedo...” Quer dizer a mesma coisa? “Não
morre cedo” para quem não sabe, é um conceito para “estive falando de você, ou
estive pensando em você! Era isso o que ele quis dizer... mas não disse, as
palavras se confundem, afinal, há quem interprete de outra maneiram, como eu,
um dia interpretei, por senti algo mais, por desejar algo mais... os homens e
os sentimentos não são matematicamente puras.... nem as palavras o são!
Do mesmo modo, quando ela lhe
respondera “Amém” fora por algo maior? Menor? Dito sem querer? Dito por consideração
visto o poder da palavra “Amém”, para ele soara como uma ironia, um desprezo,
isso doeu nele. Ele desejou que viesse uma pergunta, que não veio, e assim,
nele se estabeleceu o vazio, preenchido pelos vários sentidos da palavra “Amém”
num diálogo. Mas não prestou atenção, que ela poderia ter tido consideração
pelo “não morre cedo...”. No entanto, o principal, foi que havia algo mais
importante, para ela talvez, do que ele pensar nela que era o fato de procurá-lo!
Ele não usou as palavras que havia sentido, mas conceituou o sentimento dele
com outras palavras, o que se seguiu? Uma simples confusão em seus olhos...
Uma profundidade maior num diálogo,
destinos desenhados, acasos, que não possuem uma fábrica, uma origem, pois se é
para ser acaso, mesmo que seja repetido, que seja assim, um acaso, e que este
acaso também não haja destino para ser dito acaso, ele não pipoca, ele surge,
provando talvez que o nada existe, e para o nada volta. Ele uma vez achou que
tivesse desenvolvido a teoria do nada... Muitos anos antes do seu nascimento
havia uma obra publicada com o título o ser e o nada.
Destino? Acaso? Ela o procurou, ela
o desejou, de alguma forma, ela lembrou que ele estivera dentro dela, partira
dela essa abertura, essa ruptura, e assim, às vezes ela aparecia como um acaso
que aparece e some. Ela surgia como o destino tracejado, nos rabiscos, nas
letras tortas, nas primeiras canções de amor aprendidas, nas primeiras
fotografias...
Edgar de C. Santana