sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

UM PEQUENO EXEMPLO


Estávamos eu e uns amigos, tomando uma cerveja e comendo uns salgadinhos no Boteco do seu Marinho. Conversávamos sobre qualquer coisa, de pescaria aos freios dos carros; das nossas famílias até a milícia. Me mantinha taciturno, pois lia algumas notícias no jornal e ouvia o forró que tocava no rádio de um carro parado na frente do boteco, até escutar uma série de baboseiras sobre o Botafogo:

 - Cara o que é o Botafogo? O Botafogo nunca ganhou nada!

 - Meu irmão, os caras só fala de Garrincha e Nilton Santos.

 - Fala aê, quantos títulos o Botafogo ganhou nos últimos 20 anos?

 - Nunca ganhou um mundial. No Rio, só o Flamengo ganhou.

 - Ganhou só um título roubado em cima do Santos.

Eu gostaria de me manter calado, mas procuro sempre dialogar de um modo que esclarecesse sobre os problemas do imediatismo, da frivolidade e da pobreza de espírito:

 - Não é bem assim, não podemos isolar a história do presente. Ao olharmos para o histórico, não podemos minimizá-lo com o hoje, tão pouco isolar os fatos dos seus respectivos contextos.

 - Pronto lá vem o Botafoguense.

 - Não é rapaz, olha, o Botafogo ganhou uma pequena Taça do Mundo - Jogando contra os maiores times do mundo.

 - Isso é mentira – Disse um deles. Todos riram, sequer conheciam a história dos seus próprios clubes e tampouco tinham curiosidade sobre a História alheia.

 - O cara quer contar história de quando nem era nascido.

 - Histórias que o avô dele contava.

 - Mas a história está presente não? – Questionei.

 - Que nada, eu quero saber do aqui e agora! Quem vive de passado é Museu! – E riam alto.

 - Estou querendo explicar a vocês que não faz sentido pensarmos só aqui e agora, ou então, ninguém poderá falar da história dos seus times, além da história que é construída agora.

 - Então fala aí, quantos nacionais o teu time ganhou?

 - Mas um campeonato carioca e um Rio-São Paulo tinha mais valor do que um nacional...

 - Ah para!

 - Quando isso? Nunca!!

 - Campeonato brasileiro é brasileiro...

 - Teu time nunca jogou uma Libertadores!

 - Em 68 chegamos invictos até a Semifinal.

 - Todos riram novamente.

 - Todos riram, riram alto, falaram mais uma meia dúzia de piadas.

 - O problema é que certos fatos, as instituições atuais não reconhecem... e desprezam o contexto histórico... – Era inútil, já riam alto, calei por um tempo, logo passei a rir com eles, sabia que o que pensavam era tão imediato, frívolo e até certo ponto arrogante. Pelo menos critiquei procurando não ser fútil e estúpido, e nessa hora, nessa tentativa de lutarmos contra a pobreza de espírito, até mesmo o riso luta.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


Ele acordou, se vestiu apressadamente, correu como um louco para não perder o trem. Quando chegou na estação percebeu que tinha esquecido a carteira. Deu um soco no ar, mais um dia chegaria atrasado... era o sufoco de dormir poucas horas por noite. Voltou para casa cabisbaixo, olhando-se em volta no olhar dos outros:
 - Mais um dia de renda perdida...

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

UMA MÃE


 

Ela não fala. Deixa-se por um tempo. Pensa no filho que só os outros podem ficar. Pensa no trabalho. Pensa nas discussões abortivas, pensa nas discussões maternas... No meio disso tudo ela está, assim como esses e outros caminhos estão no meio junto a ela.
“Às vezes a luta pelos direitos são mais simples que viver a liberdade. O problema nem sempre é a escolha, na verdade, quanto maior a possibilidade de escolhas, melhor. O problema é depois da escolha”
O telefone toca, ela liga e ligam de volta, enquanto fala, o suor toma o desenho dos lábios. Ela responde já mecânica, após tentar se fazer ouvida, em vão, ela tenta encontrar meios, interroga, exclama, analisa, diz, luta, explica. Eu vejo e penso: “Não é possível sermos sozinhos, a solidão não comporta multifaces... a solidão é a solidão, se manifesta de modos distintos, sobre uma mesma faceta”
Ela discorda, seu silêncio responde à Deus, à ausência, à todos, à morte e ao fumo, à vida e ao amor. Ascende o cigarro, lembra da ausência de saúde defronte uma morte iminente. Ela deixa que eu pegue em sua mão, mas meus dedos são grandes demais, são pesados e calejados, não é a minha mão que ela desejaria agora, e agora são tão poucos elementos, misturados a uma vontade reprimida.
Quatro meses com o filho e uma vida inteira se resume a um auxílio. Nós, machistas e feministas proletários andamos tanto... não é possível que quatro meses para uma vida inteira, ganhar dinheiro seja algo simples.
Nós machistas e feministas unidos! E as palavras dificultam. O pensamento subjetivo se interessa agora em se propagar subjetivamente, confundindo como ela confusa está. Ser um pensamento indeciso, por que de diversas fontes brotam amarguras, e no final de uma sentença, dizer-se: Pronto, já esqueci!
Uma vida inteira se resume a ganhar dinheiro. Criam-se novos feudos para isso, e novos escravismos sob a égide da desculpe esfarrapada de que escolhemos, de que optamos, quer dizer então que não posso ser mãe? Por isso condenam o aborto? Por isso desejam o aborto?
Confusão, nossos pensamentos, meu e dela se confundem. Eu sou um homem, ela é uma mulher, uma vida inteira vívida para um feudo. “Ah! que repostas busco? Será que olhar a essência basta?”
Não, é preciso mais. É preciso a solidão, cada um por si! Meu filho deve crescer sozinho, passando de mão em mão por cabeças que não sabem o que fazer com o filho dos outros... que roupa levar? Pode ir? Pode ser? “Sim, a decisão final é minha” e no fim, pergunta-se: onde está a mãe desta criança? Fala-se então do emprego, das dificuldades, que a mãe precisa ganhar dinheiro, estudar; mas sobre tudo, o que fica é a decisão final da mãe, e sobretudo, o que fica é a pergunta: Onde está a mãe dessa criança?
Nosso cotidiano é mesmo cheio de tragédias Gregas " Eu tenho que escolher entre não ser mãe, e não poder ser mãe; não ser mãe é também não poder ser mãe, resumindo não ter um filho presente em ambos os casos. E falo ser mãe em todos os casos, de todos os filhos que vivem no cadafalso da ausência de um e outro, e outros vivos, não importa a idade, não importa se a mãe será sempre chata e o filho sempre uma criança.
Ela sabe que a liberdade pode ser vista como um direito, mais também com um dever. Podemos olhar como um paradoxo, mas também como uma tragédia, uma conquista e um fardo. Liberdade é liberdade. Não possui faces, se manifesta em diversas formas.
 Mas é tão desigual, mãe é mãe. Mas será que todas as mães são iguais? Não somos iguais, e assim, mãe ganha multifaces. Ela nega as multifaces, por pensar e saber que mãe é mãe, mas que não são iguais, ela sabe que não é mãe como a mãe dela. Ela sabe que não é mãe como as outras mães.
No escritório ela liga para a avó do seu filho, pergunta-lhe pelos netos. Um retrato do pé do filho no canto da mesa. Pensa no filho, no emprego, quatro meses apenas. Foram apenas quatro meses... volve-lhes paradoxos de sua liberdade e solidão; situações conflitantes, escolha, opção.... Apesar de uma melancolia, ela olha o retrato, e um breve sorriso desponta e luta, algumas gotas de suor escorrem para seus lábios. Um breve sorriso desponta e luta.

 

Rio de Janeiro,09/07/2014
Edgar de C. Santana