Ela gritava dentro de
si enquanto preenchia a face alheia de risos, enquanto se fazia piada. Ela praticamente
morria. Cada um no seu mundo, enquanto o nosso mundo em chamas ardia sobre suas
falas reclamonas “mas essas pessoas precisam tanto de alguém?” “Reclamam, mas
diante do bicho se omitem” “Que medo é este do Bicho Papão” e uma voz lhes
respondia na consciência:
- Querem se manter ali onde estão
- E por que não mudam – Ela se perguntava
- Mudar não é fácil, preferem que “mudem por
nós” e “nos mudem também”
E depois silenciava, cada vez que se aprofundava
no nós, se aprofundava em si, cada vez mais a posição dos outros lhe eram
complexas, a quem amara agora lhe era contrário, e cada vez mais em sua solidão
entrara.
Belo dia se deu ao
trabalho de se unir aos corpos, vieram lhe beijos longos que ela amara num raio
de segundo, e depois, em algum canto se sentira abandonada.
Mas por belos dias os corpos
lhe eram bem vindos, alguns não demonstravam a mutilação dos seus corações nas
presas, outros, lhe eram expressivos.
Há os corpos que ela se
importara mais, e outros menos.
Era meio puta e santa e
amava a isso tudo.
Mas belo dia, alguém
lhe viera, e se combinara, num filho, e depois viu-se largada com um filho na
barriga... seu coração conflitava entre auto mutilação e esperança.
“Estive completamente
só por anos, carregando fardos pesados, e me vem um que de tão pesado me trata
com leveza?”
E a voz lhe dizia:
- Filho e trabalho
- Meu filho é o melhor dos meus trabalhos
- Sim, mas como vai sustenta-lo com toda essa
energia?
- Sou mulher! Mãe! E não será por isso que
serei uma serva, uma escrava, não venderei a minha vida e a vida do meu filho
numa bandeja
Ah! Mas o amor alheio somente na cabeça e nas palavras é meio amor, e pouco foi o amor que desabrochou em ato, em certos casos, valeram-lhe mais o canto dos ventos nas
folhas das árvores conversando com seus sentidos a magnitude das ondas a
preguiça das manhãs cinzas ou o canto de um pássaro lá longe, do que aquilo
que estava na mente das pessoas
Derrubar uma vida sem
sentido é difícil, uma carregada de um amor no útero e outro com os pés no chão se torna praticamente impossível “Não, um sentimento qualquer não abala”
A tal voz retornava:
- Os sentimentos podem ser a coisa mais
maravilhosa do mundo mas a pior delas
- Isso é óbvio para que eu pense assim
“Mas meus dias passaram,
vieram outros corpos, aprendi abandoná-los como aprendi a ser abandonada, não
me importa, existe uma vida que cresceu e agora caminha, e seus olhinhos me
fitam e são doces, oh! Como é maravilhosa a vida, e como tais olhinhos são
amados, são férteis, guiam em parte os meus”
E ela deixou-se levar
pelo fluxo do dia a dia, na luta contra a servidão imposta, que queriam lhe
fazer engolir como uma condição natural da vida, fora traída por vezes nessa
luta, surpreendida pelas omissões alheias, mas tudo valia a pena quando a noite
encontrava sua menina crescida.
“Nem mesmo a violência
dos furacões a energia cinética dos maremotos ou mesmo uma guerra
maldita não nos pegam com tamanha surpresa e nos deixam um vazio
vasto quando alguém que amamos se desfaz, pétala a pétala, sorvendo gota a gota
de nossas lágrimas vorazes. Amar a si mesmo, amar a nós, não deixa de existir,
mas muda!”
Então aquela menina que
um dia carregara em seu útero, numa doença súbita fora levada há um ponto tão triste
que se torna covardia um artista tentar descrever, nesta hora é melhor mudar o
foco da câmera. E a voz lhe dizia:
- A pedra cai sobre seus ombros
- O que faço?
- O que lhe liga aos outros?
“Uma vida qualquer, sem
sentindo, moribunda a minha, que busca em si e nos outros um sentindo, ah!
Quantas perdas, vale a pena toda uma guerra só para se ter o status de vencida?
Vale a pena dizer que venceu diante de tantas tragédias sobre o cano de uma
arma quente? E quando o absurdo chega a pontos extremos, o que fazer? Busquei
lhes de volta, amor, perdoe, não me abandone mais.”
E uma voz tímida, quase
inaudível, abalada e sem força, lhe dizia em forma de conceito consciência:
- Apenas Siga!
Rio de Janeiro,
11/12/2014
Maria Catarina