sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Mas o preconceito nos separa

O corpo suado! Retorno por que a cigarra canta e me promete calor e sol.

Retorno por essa paixão que me explode, que não me esquece, que não me larga, e esse esquisito diário digital serve como uma forma a mais de registro.

Retorno por que o mundo dá voltas, como parte do conjunto que nos mantém vivos! Esses dias, a escuridão misturava-se com as nuvens, com as estrelas, com uma lua cheia, e eu chorei; nos lembrei com alegria. Vi com meus próprios olhos que a terra não é Plana!

Uma pena que o preconceito nos afastou. Uma pena que o racismo nos afastou. eu amo a cor branca. Sempre vesti branco, e ainda que rasgados, guardo com carinho os short's brancos que certo dia me destes. Eu acho linda a cor branca!

Mas o preconceito nos separa. Quase tudo que foi feito para a periferia eu tenho em mim, e eu sempre tive em mim que ela mesma fizera, e eu não sabia lhe convencer a me olhar, me cuidar...  A minha identidade sempre esteve em crise, sempre! a crise de identidade nunca se afastou... Identidade roubada! Como lhe mostrar seu preconceito, se nem você me veria como herdeiro da noite? O trem não é nada demais, a sua bunda não doía  por querer sentar...

Mas o preconceito nos separa, nos divide, é um ímpeto... Eu sempre achei que o problema estava comigo. Eu nunca fui bonito demais, eu nunca trabalhei bem demais, eu nunca me esforcei bem demais, eu não escrevia bonito demais. Nessa conjuntura, negros jamais seriam bonitos demais, trabalhadores demais, escravizados e chamados de vagabundos e vagabundas. Desculpe, estou chorando, eu não escrevo bem demais, e não consigo colocar pra fora.

Mas o preconceito nos separa. O teu morro é um reduto, um lugar especial, com casas grandes, arejadas, bem muradas, garagem para mais de um carro, jardins lindos e floridos. É incomum sabe? sua casa é incomum, e aquele lugar que estive é incomum. Eu sou pobre, sempre fui pobre, nascido na baixada, mudando para zona oeste, andando pra lá e pra cá, sempre com aqueles sapatos furados. Vivi quase uma vida inteira para um dia saber o que era uma geleia de morango.
Eu realmente nunca soube conversar com quem tivesse uma situação economicamente boa: Viajaremos para onde? Compraremos o que? Um ar condicionado, Pneus novos para o carro, Roupa de frio, de calor, de natal e de ano novo, e nele, o que faremos? que árvore bonita, que areia, que praia, que lugar no fim do brasil, que cidade, que estado... Uma coisa é escolher outra é sonhar. Uma é imaginar, outra é poder. Não saberia conversar e decidir sobre.

Precisamos acabar com sociedade de classes! Mas vivemos e nela buscamos ascender. Vamos às Universidades e eles as sucateiam, Vamos longe aos empregos e eles engarrafam, subimos de cargos e eles fecham as empresas; mudam leis quando ás exigimos; silenciam nossas vozes com metralhas e balas de borracha; a caridade de vocês escondem o extermínio das nossas sementes, da nossa forma de tentar viver; romantizam nossos sofrimentos...  Buscava a tal da ascensão social, mas então eu fui traído, a minha classe é dos traídos, dos invisibilizados, dos marginalizados... e você, com a sua cor e classe traiu...

O preconceito nos separa, nos divide, nos afasta, nos rege. o predomínio do macho de uma capital, presente nas mentalidades esse macho tem seu lugar, esse macho de um espaço urbano perto de tudo. Como seria bom se aprendesse toda linguagem musical a formação juvenil! Eu usaria cores tais, te pintaria, te desenharia, versos tão metricamente perfeitos, músicas! Nossa! Eu teria criado canções lindas para ti, para todos os amores que vivi, para todos os amigos. Ah! se todo esse acesso fosse universal, ah! Se eu tivesse tido. Seria lindo. seríamos um pouco iguais; Acesso negado! senha! Privilégio! eu não pertenço à uma Capital por que fazem da perifa uma sobra... uma puxadinho... Eu estou imaginando um viver! Não o que teria sido, mas, principalmente o que poderia ser! É completamente diferente do hoje vou fazer, afinal, para certas coisas se faz necessário viver... saboreá-las. e eu não pude... O macho sim... Esse modelo que se apropria dos símbolos, os transfigura, e os funde em modelos de macho na superfície dos símbolos...

O preconceito me divide, me separa, me cala, me omite, me persegue, me pune, me destrói... hoje entendo por que sempre vivi com medo, me escondia, evitando, me esquivando... o preconceito!  Minha identidade continua abalada, em crise desde não sei quando. Minha identidade continua separada, em crise. seu nome Europeu, mas qual teria sido o meu não Europeu? Não consigo, não encontro referência... Minha identidade está esfacelada!  Eu rio, sim, eu rio, afinal, meu riso luta... meu riso luta... meu riso luta... Eu realmente não sei ainda como estou vivendo... mas meu riso luta

Não me esqueço, também preciso que me cuidem... Sozinho eu não consigo, não despreze, não se esqueça, sozinho ninguém consegue... é que coletivamente é mais gostoso. A cigarra canta... promete sol... corpo suado... meu riso luta


Rio de Janeiro, 20/12/2019.
Carsan