segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os encontros de um caracol aventureiro



Federico Garcia Lorca

Há doçura infantil
Na manhã quieta.
As árvores estendem
Seus braços para a terra.
Um vapor tiritante
Recobre as sementeiras,
E as aranhas de seda
- raias no cristal limpo
Do ar –
Pela alameda
Recita uma nascente
Entre as ervas seu canto.
E o caracol, pacífico
Burguês da vereda,
Ignorado e humilde,
A paisagem contempla.
A divina quietude
Da natureza
Lhe deu valor e fé.
E olvidando os pesares
De seu lar. Desejou
Ver o final da senda

Pôs-se andar e internou-se
Em um bosque de heras
E de urtigas. No meio
Havia duas rãs
Velhas a tomar sol,
Entediadas, enfermas.

“Esses cantos modernos
- murmurava uma delas –
São sem préstimo”
“Todos, amiga – lhe contesta
A outra rã, que se achava
Ferida e quase cega –
Quando eu era jovem eu cria
Que se ao fim deus ouvisse
Nosso canto, teria
Compaixão. Meu saber,
Pois já vivi eu muito,
Faz que nele não creia.
Eu já não canto mais...”

As duas rãs se queixam
Uma esmola pedindo a uma jovem rã
Que presumida passa
As ervas afastando

Ante o bosque sombrio
O caracol se aterra.
Quer gritar mas não pode.
As rãs dele se acercam.

“É uma mariposa?”
- Pergunta a quase cega –
“Tem um par de chifrinhos –
- A outra rã responde.  –
É o caracol. Vens.
Caracol, de outras terras?”

“Venho do meu lar e quero
Logo a ele regressar”
“És um bicho bem covarde
- Exclama a rã que é cega –
Não cantas nunca?” “Não canto”
- Diz o caracol. “Nem rezas?”
“Tampouco: nunca aprendi”
“E nem crês na vida eterna?”
“Que è isso?”
“É viver sempre
Dentro d’água mais serena,
Junto da terra florida
Que rico manjar fornece.”

Em menino a mim me disse
Minha pobre avó um dia
Que ao morrer certo iria
Ficar nas folhas mais tenras
Mais elevadas das árvores”

“Herege era tua avó
A verdade te dizemos
Nós. E nela hás de tu crer”
- Dizem as rãs furiosas.

“Por que quis vir ver a senda?
- geme o caracol- Sim, creio
Para sempre na vida eterna
Que vós me pregais...”

As rãs
Mui pensativas se afastam,
E o caracol, assustado,
Vai-se perdendo na mata

As duas rãs mendigas
Como esfinges se quedam.
Uma delas pergunta:
“Crês mesmo na vida eterna?”
“Eu não” – Responde mui triste
A rã ferida e que é cega.
“Por que dissemos, então
Ao caracol que ele cresse?”
“Porquê... eu não sei porquê
- Lhe respondeu a rã cega –
Fico cheia de emoção
Ao escutar a firmeza
Com que chamam os meus filhos
A Deus do fundo da acéquia...”

O pobre caracol
Volta atrás. Na senda agora
Um silêncio ondulatório
Vem manando da alameda.
Com um grupo de formigas
De cor rubra ele se encontra.
Vão-se muito alvoroçadas
Atrás de si arrastando
Outra formiga que tem
Quebradas suas antenas.
Mas o caracol exclama:

“formiguinhas, paciência.
Por que assim maltratais
Essa vossa companheira?
Contai-me que coisa fez.
Julgarei em consciência.
Conta-o tu, formiguinha.”

A formiga, meio morta,
Disse muito tristemente:
“É que as estrelas eu vi”.
“que são as estrelas?” – Dizem
As formigas inquietas.
E o caracol pergunta,
Pensativo: “As estrelas?”
“sim – repete a formiga –
Sim, eu vi na árvore mais alta
Que se encontra na alameda,
E vi milhares de olhos
Dentro das minhas trevas”.
O caracol pergunta:
“Mas que são as estrelas?”
“São luzes que levamos
Sobre nossa cabeça”
“Nós outras não as vemos”
- As formigas comentam.
E o caracol: “Minha vista
Só pode alcançar as ervas”

Mas as formigas exclamam,
Movendo suas antenas:
“Vamos matar-te; tu és
Preguiçosa e és perversa.
Tua lei é o trabalho.”

“É certo que vi as estrelas”
- Diz a formiga ferida.
E o caracol, sentencia:
“Deixai que ela se vá,
Cumpri vossas tarefas.
É possível que em breve
Sem força a morrer venha.”

Pelo ar duçoroso
Uma abelha cruzou.
Na agonia, a formiga
Aspira a tarde imensa,
E diz: “É a que vem
Levar-me a uma estrela.”

As demais formiguinhas
Fogem ao vê-la morta

O caracol suspira
E aturdido se afasta
Cheio de confusão
Pelo eterno. “A senda
Não tem fim – ele exclama –
Talvez até as estrelas
Se chegue por aqui.
Mas minha grã moleza
Não deixará que chegue
Não pensemos mais nelas.”

Tudo brumoso estava
De sol débil e névoa.
Longínquos campanários
Chamam gente á igreja,
E o caracol, pacífico
Burguês da vereda,
Aturdido e inquieto,

A paisagem contempla

Posse do se doa.

Mas não posso impedir a poesia
De florescer

Broto
Na dificuldade
Rasga a terra
Faz-se vivo

Folhas, frutos, flores
Sei de suas dificuldades

Como dói nascer

Quanto choro e quando grito
Da mãe é preciso
Ao rasgar a criança o útero
Para que case com o choro
Acalentado do primeiro abraço
Num laço de um peito de pai

Como dói
No coração humano
Deixar nascer o amor
E humanamente
Deixar-se amar

Deixem-se crescer
Corações humanos
Em que cada um
Um útero cheio
De amor a nascer

Nos seus olhos
Viver numa lágrima

Raízes na profundidade
Rasgando a terra
Necessidade de amarmos

Tristezas humanas
São os corações cheios de desprezo
Deixa-se matar a raiz
E de pouco em pouco o amar
Que lhe recai

Despreza a si próprio
Quando se despreza o que lhe ama

Um pouco da nossa infelicidade
Suscita pensando
Que possuímos o amor
Impossível é
Ter posse do que se doa.


Rio de Janeiro, 29/09/2014.

Edgar de C. Santana

domingo, 28 de setembro de 2014

Salve sua manhã
Criaremos nossos filhos 
Leremos livros dos colegas  
Do mundo 
Portanto amor,
Não precisa chorar
Eu estou tão perto
Mesmo que suas mãos
E seus medos não possam
Me tocar
Eu seguro em seu coração
E junto a ele posso deitar
Vocês, não me deixem ir
O mundo não foi feito
Para uma vida sozinha
Falo-me
Tranco-me
Grite-me
Onde eu não possa entrar 
Paciência
Uma pequena paciência
Diga a uma mulher a sua dor 
Ou deixe-se ir
Relembro que meus cachos 
São afinados com os dele
Os meus pequeninos
Como a sua tenra idade 
Natural e romântica
Como eu vejo.
Ouvimos o som do mundo
Em nossa face
Por um longo tempo
Mas Deus nunca escureceu
E esqueceu o nosso caminho
E se queres alguma libertação 
Então grite seu ódio
Na Central do Brasil
Onde crianças choram
Sua fome e seu furto
Nas grades do lado de fora
Do poder Central
Realmente
A lua me chama
E não posso aqui dizer
No amai-vos uns aos outros 
Que a Alegria amo.
Só quem leu sabe
Quem tem ouvidos ouça
Quem tem olhos leia
Ou então,
Coma sua batata frita
Tome sua pinga
Viva de forma vadia
Uma vida vazia.
Reproduzindo escolhas
Não escolhidas
Viver é um direito de todos, 
Enfim.

Rio de Janeiro, 28/09/2014
Edgar de . Santana