Gosto
de vê-la tomando banho. A tarde de hoje é quente, ela suava e agonizava na
falta d’água, o que me deixa profundamente irritado, não com ela, mas com tudo
que se passa no mundo e que provocava a sede de nossos corpos.
- Fazer o que? Não tem água, logo ela chega -
digo
- Jesus, não iria aguentar morar no Nordeste.
- Lá eles lutam...
Não
sei se aguentaríamos, a nossa luta aqui é outra, mais enfim a água voltou. Ela
ficou nua e vi os desenhos perfeitos, sua baixa estatura, seus seios miúdos,
lindos, sua magreza e gordura num mesmo corpo; Foi rápido, mas a visão da
mulher nua na cabeça permanece mais do que o curto tempo de colocar o biquíni,
principalmente quando em minha adolescência era praticamente impossível ver a
mulher nua, ser parte de sua nudez, afinal, não fui bonito, não tive uma boa
conversa, sempre essencialmente tímido, com uma poesia tímida sonhando envolver
o corpo nu da mulher.
À
água caía como um jato, e agora, água é poesia, é rara, um conceito nevrálgico
entre Religião, Filosofia e Ciência. Uma invenção da Natureza, de Deus e dos
Homens; Tão forte quanto a presença da água é sua ausência, e tão forte é a
necessidade de nos acalentarmos nela. Que sede é esta que está além dos nossos
lábios? Essa ausência que nos deixa sedentos por uma presença cada vez menos
abundante, que cada vez mais a desperdiçamos, enquanto lavamos nossas mãos
sujas, que desperdiçamos nas gotas que saem de nossos corpos, e a visualizamos
na ausência de lágrimas dos nossos olhos? Então é assim? Enquanto mais
abundante é o choro, maior é a sua ausência por lágrimas.
- Água, te amo! – Ela diz, e abre minha lata
de sardinha, eu lhe dou um sorriso, ela retribui, movimenta os lábios para
frente, faz um bico e depois os retraí, novamente para um sorriso – Te amo, seu
lindo – Te amo, eu penso, pouco me importando se sei o que é ou não o amor; Penso
que há um sentido de amor em nossa relação, e outras imagens dela vem na cabeça,
um sorriso, uma expressão, um piscar dos olhos, um mover do rosto para o lado, um
olhar perdido num ponto fixo. Eu a amo. Quero um dia aprender a desenhar, e
desenhá-la, com um corpo ainda mais envelhecido, porém lindo, suas pernas
magras cheias de pelos, de varizes; sua cicatriz de mãe, você é perfeita, penso
– Que foi? O que você está me olhando aí?
- Estou te olhando – Lhe dou um sorriso, ela
me devolve, hoje em dia há tantos trans. e metas e Inter que eu penso que meu
olhar agora é isso, tão naturalista, romântico e barroco e sei lá mais o que,
afinal, tantas relações, esta rolha de vinho que chamo de minha cabeça, meus
olhos, o corpo dela, água que agora, nestes passos, são mente e carne.
- Você não vêm? Como você consegue ficar aí
neste calor? – Ela me chama, sua expressão maliciosa me convida, tenho uma
paixão demasiada, uma vontade de fazer um filho, mais gosto desta sensação
paradoxal, esta curta distância, vontade de ir e não ir... travar um pouco o
que quer se desprender.
- Eu estou aí, eu te vejo, eu me vislumbro de
ti, onde estou lhe abraço e me abraça, esse mundo de nós onde estamos livres,
essa nossa igualdade num universo desigual – ela ri e o sorriso me reponde um
mundo de relações presentes, minha irritabilidade com o que se passa no mundo
lá fora, a ausência de água, que dinâmica lhe escore pelo corpo; Este quintal, as plantas do jardim, o sol
quente sobre nós, o corpo dela, minha mente, vida, tantas relações possíveis,
dinâmicas e estáticas... gosto desta sensação estática, percebendo a água
dinâmica; Seu pequeno vem e nos diz:
- Sou um herói.
- Um herói aquático – ela enche um pote d’água
e taca nele, o menino corre pelo quintal, e depois volta: “iáaaaaaaaa” eles
riem um riso, que diante do sol da vida é uma luta ecoando livremente.
- Vem, tira essa roupa – e ele pula todo
pelado e alegre, é uma cachoeira que cai de chuveiro, é banho de chuva neste
domingo de verão, é uma praia ao qual ele é um herói. A mãe lhe molha a cabeça,
ele sabe de um mundo diferente que é o carinho, sabe da cachoeira dos olhos que
se guarda nas retinas da mãe, ao vê-lo assim, todo contente, em seus pulos;
Sim, o pequeno um herói.
- Vem também - ele me diz.
- Já vou.
- Então vem logo, olha mamãe, eu sou um
tubarão de quatro patas – Todos rimos.
- Mais não existem tubarões de quatro patas.
- É de mentirinha – E rimos novamente, este
menino é um herói, de fato. Lutamos pelo passado, pelo agora, pelo manhã; Eu,
sua mãe, ele, desde quando fora dada sua existência, seus primeiros passos no
útero, a luta de sua mãe para desprende-lo de sua carne, e toda a luta que
travei até encontra-los, toda a luta que tivemos antes de nos encontrarmos.
Desde
pequeno conhecendo e identificando o caminho da luta, desde pequeno reconhecendo
a ausência, e por ela sendo um herói entre nós, e nós todos somos heróis, e
somos também anti-heróis, e as ausências são fortes em nossas vidas, ausência
do filho, do pai, da mãe. Buscamos presenças que nos sejam abundantes nas ausências
que permeiam ás cidades, ás paredes de vidro dos escritórios, nos muros que que
cerceiam nossas classes, nossas atitudes empreendedoras e desumanas, preconceituosas.
Lutamos por não encontrá-las, por se mostrarem raras.
- Olha filho, uma rosa.
- Ih, que legal.
- Viu amor, nasceu uma rosa em nosso quintal –
Ela me diz.
- Vamos dar para a vovó mamãe?
- Ela nasceu, ela já é um presente para sua
avó – Ele corre chamando Vovó, Vovó, ela olha o olha pela janela, rindo com um
telefone no ouvido:
- Que foi filho?
- Nasceu uma rosa, um presente para você – Ela
gargalha e depois diz para a pessoa do outro lado da linha:
- É o meu neto lindo - e depois volta para o neto – é meu filho,
vocês só estão aí no chuveiro né?
- Está muito calor, meu Deus – Diz sua filha
- É hoje está mesmo!
- Mamãe esta flor é bonita igual a você –
Todos riem, a avó volta para dentro de casa e prossegue com sua conversa, a mãe
faz os carinhos e brinca com o menino, aproveita para ensaboá-lo, logo irá para
o casa do pai, serão outros heróis, novas lutas.
O
tempo passa rápido. O tempo que já não é acompanhado pelo relógio, porém, quero
manter esta sensação estática; A mãe já ensaboa o menino, temos que poupar
água, temos ainda que arrumar as coisas de casa; está terminando, quero que
está cena dure um pouco mais.
O
tempo em nós, no nosso dia a dia é dinâmico. A água o atravessa, os cabelos
ensaboados, meu olhar enfim, nós o atravessamos. Sinto-me melancólico, luto na
minha caixa de pandora para um pouco mais de permanência, preciso agir, está
acabando.
Me
lanço para debaixo do chuveiro, rio alto e sonorizo como uma criança, tão
brusco e infantil, eles alegremente se assustam, brincam e se divertem; Depois
esbravejo como um monstro, pego moleque no colo, sei que assim, este contexto
permanece um pouco mais; E depois, na memória, essa onda que dizem nunca ser a mesma,
retorna. O que apreendo e sinto destes momentos retornam, e em outras vezes
outros sentires a mente coloca.
E
ali ficamos a brincar, naquele quintal de concreto, na cachoeira de jardins, na
chuva de sol... ali permanecemos...
Edgar de C. Santana